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quarta-feira, 22 de junho de 2011

UM DEUS DIFERENTE


(Ribamar membro do CEBI

A Palavra de Deus é um tesouro e felizes são aqueles e aquelas que nela se aprofundam. Sim, bem aventurados são todos os que deram um passo adiante na fé entendendo que sua riqueza não provem necessariamente de fatos históricos, mas do objetivo que teve o autor ao escrever tal texto. Assim, não importa se tal relato na Bíblia tenha acontecido ou não. O essencial é a mensagem que o autor quis comunicar e para isso é necessário conhecer a época em que o texto foi escrito, quer dizer, procurar saber o que estava acontecendo no tempo que o autor escreveu. Fazendo isso iremos de encontro à Palavra de Deus que está por trás do texto e dela nos alimentaremos, beberemos e começaremos a ter um encontro com Deus e a mudança de mentalidade, de vida não tardará.

Gênesis 22,1-19 (fala que Deus pediu que Abraão sacrificasse seu próprio filho) é um lindo texto quando se conhece a intenção do autor do contrário, ele causa mal estar em quem o lê, pois como é que Deus pode pedir a alguém para matar o próprio filho? Afinal esse Ser que pede tal coisa a Abraão é Deus ou ídolo?

Muitos são os que diante deste texto não questionam: “o que será que o autor quis dizer?” seja porque acreditam que não se deve questionar, seja porque estão satisfeitos com a resposta fácil de que este texto fala da provação que Deus faz a Abraão, ou que o texto fala da obediência cega, ou ainda, da fé de Abraão e assim vão anunciando às pessoas que se encontram em meio ao sofrimento que estas devem aguentar firme, pois Deus está provando-as através da dor. Deus está testando a fé, está querendo ver até onde vai a obediência dessas pessoas, mas que no final intervirá de forma espetacular como foi com Abraão.

Na época em que o autor escreveu este texto quase todos os povos tinham o costume de fazer sacrifícios humanos: matavam as crianças, seja degolando-as, seja queimando-as vivas apresentando-as como oferenda a seus deuses. Faziam isso com o objetivo de receber em troca algum benefício, como por exemplo, o fim da fome, o êxito na guerra (Valdés, 2003, p. 39-40).

Em 1200 a. C., os israelitas chegaram a Canaã e devido ao contato com povos vizinhos que praticavam esses sacrifícios de crianças, como os cananeus, os amonitas, os moabitas e os edomitas, conheceram tais práticas e passaram a imitá-los (Valdés, 2003, p. 40). Inclusive, Salomão construiu um santuário para Camos, ídolo dos moabitas, no monte a leste de Jerusalém, e um santuário para Melcon, ídolo dos amonitas (1Rs 11,7).

Agora se pode dizer que temos a chave que dar acesso para entendermos que o objetivo do autor não era falar da provação que Deus impôs a Abraão. Primeiro porque Deus não manda provação pra ninguém:

Quando tentado, que ninguém diga: “Deus está me tentando”. Porque Deus não é tentado a fazer o mal nem tenta a ninguém. Cada um é tentado pelo seu próprio desejo, que o atrai e seduz; a seguir, o desejo concebe e dá à luz o pecado, e o pecado, uma vez consumado, gera a morte (Tg 1,13-15).

Ele é sumamente bom, perfeito, puro, em outras palavras, aquele que tem toda a santidade (Is 6,3) de modo que nele não nada de mal, daí se deduz que não sente prazer com a morte de ninguém, quanto mais com assassinato de uma criança. Em segundo lugar Deus é pai, é mãe. Como então poderia ordenar a matança de seus filhos? Portanto, o propósito do autor foi justamente mostrar que não agradava a Deus os sacrifícios humanos, ou seja, o assassinato de crianças. Assim podemos afirmar categoricamente que o ponto alto desse relato bíblico não está como muitos pensam nos primeiros versículos que afirmam que Deus pôs Abraão à prova, mas está nos últimos versículos. Está exatamente na ordem de não matar o menino e com isso revelando claramente que esse Deus é um Deus diferente: ele defende, promove e quer a vida (Valdés, 2003, p. 40). Para ele a vida de cada pessoa é importante e por isso escuta o clamor quando esta se acha ameaçada como foi o caso de Isaac que fora amarrado e colocado no altar por Abraão para ser imolado (Gn 22, 9s). Com certeza Isaac clamou no seu interior ao perceber o que lhe iria acontecer e experimentou a libertação de Deus ao enviar um anjo (significa a personificação da ação de Deus. O anjo do Senhor é o próprio Deus agindo) para impedir a Abraão a realização de tal abominação (Gn 22,11-12).

A nossa fé, portanto deve está alicerçada no Deus que liberta e não no Deus que envia provação (Deus não precisa nos testar. Ele já sabe do que somos capazes afinal Ele é onisciente), no Deus que tira o fardo pesado dos nossos ombros, não que coloca, no Deus que nos dá tudo de bom sem ser preciso que nos sacrificamos, pois este Deus simplesmente nos ama e nos aceita do jeito nós somos, embora deseje a nossa transformação.

Crer no Deus que quer a vida para todos pode dar um novo rumo à sociedade, pode levar a uma transformação. Porque quando cremos nesse Deus não comungamos com as injustiças geradoras de mortes de crianças, de mulheres e de homens nos sentindo em nome desse Deus enviados, enviadas a denunciar os responsáveis por tais crimes. Quando cremos no Deus libertador somos impulsionados por esse Deus a proclamar que a fome, a miséria, a falta de moradia, de saúde de lazer não foi enviada por Deus, mas foi gerada pela cobiça de poucos.

Quando denunciamos as injustiças que ceifa milhões de vidas somos como o anjo que impediu o assassinato de Isaac, somos como a personificação de Deus, somos a presença de Deus agindo em favor dos menos favorecidos mostrando que esse Deus é diferente, pois não fica emudecido como ficava os deuses diante dos sacrifícios de crianças. Quantas pessoas não estão na situação que se encontrava Isaac dependendo de um anjo enviado por Deus que lhe salve? Que estamos fazendo diante de tantas vidas sacrificadas no altar do neoliberalismo? O neoliberalismo segundo frei Betto é o novo velho caráter do velho capitalismo. (...) O capitalismo transforma tudo em mercadoria, bens e serviço, incluído a força do trabalho. E Leonardo Boff afirma que

Colocado em situação de crise, o sistema neoliberal tende a radicalizar sua lógica e a explorar mais ainda a força de trabalho. Ao invés de mudar de rumo, faz mais do mesmo, colocando pesada cruz sobre as costas dos trabalhadores. (...) Ele se expressa por grave depressão coletiva, destruição do horizonte da esperança, perda da alegria de viver, vontade de sumir do mapa e até, em muitos, de tirar a própria vida. Por causa da crise, as empresas e seus gestores levam a competitividade até a um limite extremo, estipulam metas quase inalcançáveis, infundindo nos trabalhadores, angústias, medo e, não raro, síndrome de pânico. Cobra-se tudo deles: entrega incondicional e plena disponibilidade, dilacerando sua subjetividade e destruindo as relações familiares. Estima-se que no Brasil cerca de 15 milhões de pessoas sofram este tipo de depressão, ligada às sobrecargas do trabalho.

Crer no Deus que quer vida implica defender a vida. Eis aqui o critério para ver se o Deus que cremos e anunciamos é ou não diferente dos outros deuses.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

VALDÉS, Ariel Álvarez. Que sabemos sobre a Bíblia? Aparecida, São Paulo: Santuário, 2003; Volume 7

Disponível em:. Acesso em: 19 jun. 2011

Disponível em:. Acesso em: 19 jun. 2011

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